RESENHA: 1984, de George Orwell
1984 estava na
minha lista de leitura faz bastante tempo. Eu sabia que era um livro que muitos
consideravam excelente, por isso no período em que ele ficou na fila, eu não
busquei muitas informações sobre ele, como resenhas e afins. Ele me parecia ser
aquele tipo de livro que você vai ter uma melhor experiência se não souber
muito a respeito. Por isso eu te aconselho a ler o livro antes de assistir ou
ler qualquer crítica, comentário ou opinião. Inclusive essa. Entretanto, se
você é do tipo que gosta de ter uma noção do que vai ler antes de ler, segue abaixo
minhas considerações sobre a obra de George Orwell.
AVISO: Não irei colocar nenhum spoiler da obra, apenas fazer algumas
contextualizações dos aspectos que mais me agradaram e/ou chamaram atenção no
livro.
O livro foi publicado pela primeira
vez em 1949, onde projetava o futuro do mundo, um futuro que se tornaria
distópico e totalitário em 1984, o ano que leva o título da obra. Neste mundo
há três grandes Superpotências: Eurásia, Lestásia e Oceania. Não irei me apegar
muito em descrever quais países cada uma dessas potências tem controle, o mais
relevante é que é na Oceania onde se passa o romance que é narrado pelo ponto
de vista do protagonista Winston Smith, que é um membro do governo atuante, o
Partido.
A primeira coisa que me deixou maravilhado com o livro (coisa que
ele não tardou a fazer várias vezes) foi o quesito imersão. Uma coisa
importante numa obra que pretende te colocar num mundo literário é que ela
consiga te inserir dentro daquele ambiente o mais rápido possível, para que
assim você consiga uma melhor experiência literária. E Orwell executa muito bem
esse aspecto, já que em menos de 20 páginas do livro eu já estava completamente
mergulhado naquele mundo sofrendo às dores do nosso protagonista.
O governo do Partido usa de uma
ferramenta muito inteligente para manipular a população: A reescrita do
passado. Por exemplo, na história as três potências vivem em guerras
constantes. Geralmente, a Oceania se une com uma das outras duas e tem essa
outra como inimiga. Digamos então que Oceania é aliada da Eurásia e está em
guerra com a Lestásia, mas que por qualquer outro motivo a Oceania resolva se
aliar a Lestásia contra a Eurásia.
Assim que essa troca de aliados acontecer, o Partido vai tomar todas
as providências necessárias, desde alterar livros, poemas, jornais, filmes ou
qualquer outra fonte que possa sequer dar indício que a situação de guerra fora
diferente da atual, será destruída e substituída por uma outra cópia que
reforce que tudo sempre foi da forma que está. E essa lógica pode ser aplicada
a qualquer outra situação, desde economia, saúde e qualquer outra coisa que
seja relevante para o governo do Partido, que tem todo um departamento dedicado
a isso. Ou seja, o Partido é dono do passado e da História. Todos os fatos
documentados são alterados constantemente para se adequar aos objetivos do
governo da Oceania.
Essa manipulação da verdade
histórica tem como base algo que é chamado de duplipensamento. Esse
termo, em linhas mais gerais, designa o fato de você controlar conscientemente
seu modo de pensar. É como se você pudesse acreditar em duas coisas opostas ao
mesmo tempo, alternando-as para a situação mais apropriada cada uma delas. E
acreditar nos raciocínios mais absurdos. Esse tipo de pensamento, é implantado
na população desde de criança, com técnicas avançadíssimas que o governo
desenvolveu para que sua população pensasse de maneira Ortodoxa, à maneira que
o Partido quisesse. Com o duplipensamento, era extremante fácil para a
população absorver as mudanças feitas pelo governo sem questionar ou causar
alguma estranheza.
E como mencionei antes, essa técnica
é algo voluntario, por isso o Partido faz com que sua população se sinta
correta quando é ortodoxa com a ideologia do Partido e pune severamente os que
não são, mesmo que não haja leis explicitas sobre o teor criminoso de não
seguir essa ortodoxia, a não ser o conceito de pensamento-crime, vigiado
pela Policia das Ideias, que falarei um pouco mais sobre adiante.
O livro não é um livro de ação como dadas muitas distopias atuais.
Chego a dizer que toda a história se passa dentro da mente de Winston. Não por
ser imaginação ou algo irreal, mas porque, de certa forma, toda sua frustração,
sua revolta e todos seus problemas contra a essa forma de governo não podem
sair dali, principalmente com o personagem sendo um membro do Partido, onde o
seu trabalho é justamente fazer as erratas de acontecimentos e destruir
a fonte original.
E quando digo que tudo se passa
dentro da cabeça de Winston, quero dizer que o Partido é muito cauteloso quanto
a Ortodoxia de seus funcionários, tanto que existe a Policia das Ideias que
vigia o tempo todo os funcionários do Partido, e a população em geral, para que
nenhum apresente ações ou atitudes, por menor que forem, que sejam contra o Socing
(Socialismo Inglês, ideologia do Partido). O já mencionado pensamento-crime,
é o simples fato de pensar ou agir de alguma forma que vá contra os princípios
do Socing. Qualquer atitude considerada fora da normalidade, pode se
encaixar nesse perfil.
E apesar da doutrina do governo ser
o socialismo, não vejo de fato a obra como uma crítica ao próprio, mas como
ideologias podem ser distorcidas e pessoas ainda continuarem seguindo e
considerando tal princípio em torno do conceito original, mesmo que este
movimento já não siga esses princípios.
O fato da história discorrer pelos pensamentos revoltos de Winston
chega a ser claustrofóbico. Você sabe de todo o sentimento de ódio que ele sente
por aquela vida, aquela situação de miséria, o governo e tudo mais. Ao mesmo
tempo vê sua luta incansável de não deixar esses pensamentos transparecerem em
gestos, tiques ou qualquer coisa que fuja do padrão esperado. E isso te dá uma
grande sensação de impotência, afinal, Winston é apenas um homem, que chega até
questionar sua sanidade já que aparentemente é o único que pensa diferente.
Um outro aspecto bem interessante do
livro é a figura do Grande Irmão. Ele é como a forma humana do Partido, seu
rosto. Assim como Goldstein é o rosto qual eles devem odiar. E isso é uma
artimanha bastante inteligente, pois dar um rosto às coisas torna muito mais
fácil o apego ou ódio. Apesar dos inúmeros cartazes com a foto do Grande Irmão
que possuí o efeito de, independentemente da posição em que esteja, parecer estar
de olho em você serem mais uma mensagem do que uma verdade, o Partido tem sim
forma de se manter atento ao comportamento da população, isso por meio das
chamadas teletelas.
Esses equipamentos transmitem a
programação do Governo, como anúncios, horário político e tudo mais em relação
as notícias da Oceania. Entretanto, esse
dispositivo também é capaz de ouvir e gravar tudo que as pessoas dizem próximo
a ela. Ou seja, em nenhum momento eles estão a sós. A todo momento estão sob o
olhar do Grande Irmão. E isso dificulta ainda mais qualquer tentativa rebelde
que Winston possa pensar.
Uma das propostas do Partido é o
desenvolvimento de uma nova língua que substituiria o inglês padrão, essa
língua se chama Novafala. Para mim, o
melhor conceito apresentado no livro. Uma língua cujo o objetivo é a redução
máxima de termos e significados, para que assim a população não tenha meios
linguísticos de se expressar contra o Partido, já que seria uma língua ideológica
e ortodoxa, inspirada pelos conceitos do duplipensamento. Esse conceito
da Novafala é abordado durante o livro, mas se você achar essa ideia tão
interessante a ponto de querer ver mais disso e com detalhes, assim como eu
fiquei enquanto lia, ao fim do livro, e isso não é spoiler, há um apêndice onde
Orwell disserta sobre a Novafala e te dá um panorama mais aprofundado sobre
quais as intenções do Partido ao implementá-la.
O livro não trata apenas a Oceania como vilã,
afinal o autor deixa bem claro que todas as três superpotências seguem
basicamente o mesmo modelo governamental, onde apenas mudam o nome e distorcem
para parecer que as outras duas fazem o oposto, para assim criar uma guerra
infinita, pois é a guerra constante que fomenta o mundo de 1984.
Em análise mais geral, o livro traz
uma narrativa rápida e leve, mas que consegue ser claustrofóbica em alguns
momentos e isso faz toda a diferença, pois faz com que seja uma leitura
daquelas que viciam e você não quer parar de ler. Os personagens são arquétipos
das pessoas que vivem naquela sociedade, porém de forma alguma são genéricos,
cada um deles tem suas peculiaridades e complexidades.
Apesar de ser, literalmente, datado
com uma projeção dos acontecimentos para certo período na história e que
sabemos não ter se concretizado da forma idealizada no livro, as críticas
feitas por Orwell são bem válidas ainda para o nosso mundo e traz uma grande
reflexão sobre o conceito de verdade.
1984 é um livro que todos deveriam
ler com uma mensagem que traz muitas reflexões sobre a vida em seus mais amplos
aspectos.
Para finalizar,
deixo aqui uma frase aleatória e sem contexto, mas que quando ler o livro, vai
ser bem legal haha.
“Se é que há
esperança, escreveu Winston, a esperança está nos proletas. ”
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